Socialmente alheios ao foco do poder público, confrontamos a situação de pessoas sem lar, os chamados moradores de rua, e somos convidados a pensar sua realidade, carências e necessidades, seus hábitos e enfrentamentos morais que apenas superficialmente imaginamos. Apresento algumas cenas dessas vidas que nos convidam a repensar o ser humano, sua condição e seus sonhos.
Frequentemente miro essas pessoas, na linha entre o perceptível e o limite para fora do quadro social. Saber como vivem, o que pensam e gostariam de dizer me são grandes motivadores. Fotografo homens e mulheres se esforçando por viver com dignidade, à cata de oportunidades que lhes viabilizem economicamente um meio de sobrevivência, a satisfação de suas necessidades básicas, a obtenção de um mínimo conforto e de serem socialmente aceitos e respeitados. De terem voz e amparo. Chamo-os trabalhadores de rua.
Alguns catam papel nas ruas e os vendem para empresas de reciclagem, auxiliando não só na limpeza da cidade como no reaproveitamento de material descartado. Outros coletam em lixos e restos de construção o procurado fio de cobre, muito bem valorizado por empresas do tipo “ferro velho”. Alguns coletores de fios de cobre atuam dentro do ecologicamente correto, outros não. Os segundos, ao invés de utilizarem descascadores de fio, arriscam a saúde na queima do fio de cobre para separá-lo da capa plástica, inalando vapores tóxicos e ferindo a ética da sustentabilidade que impõe a não aceitação desse material queimado por empresas de reciclagem, que compram mesmo assim. Será que eles conhecem essa ética? Se preocupam com ela? Em todo caso, essa prática persiste e além, inclui a possibilidade de outro risco maior para a saúde da cidade: a obtenção ilegal do material, aqueles não descartados, mas furtados de instalações prediais, de telefonia.
Percebemos que tais personagens fazem parte do organismo de qualquer grande cidade, acostumada a vê-los empurrando seus carrinhos pelas avenidas e remexendo seus lixões. O problema está na falta de suporte educativo e laboral do poder público para com esses catadores. Paradoxalmente, ouvi testemunhos que, muitas vezes, fiscais da prefeitura confiscam carrinhos de coleta, cobertores e roupas desses catadores sem teto com o intuito de os forçarem a sair das ruas, como que preocupados em limpar as ruas da cidade. Mas pessoas não são lixo. Sendo constrangidas a tal, se sentem feridas em sua dignidade e direitos básicos. E é assim que, marginalizados, arriscado se torna que alguns fraquejem e caiam para a ilegalidade, na busca por outras formas de renda.
Papéis devem ser catados. O lixo limpado. Mas reciclado deve ser o humano em nós. Afinal, somos também um elemento destinado à renovação. Sem políticas de inclusão social, de redirecionamento prático e suporte moral e material, o indivíduo, enquanto unidade participativa, permanecerá limítrofe em sua condição, não atendido em suas necessidades universais e alheio às questões de alta envergadura social e coletiva. Falar de desenvolvimento sustentável é visar o bem estar do ser, em primeiro lugar. De todo o ser, de todos os seres.
— Vitor Maciel